Cordel Encantado: o amor reina, mas não sozinho |
Quando a melhor novela no ar é a das seis, é que alguma coisa muito estranha está acontecendo na televisão. O horário, até onde sabemos, é o que recebe menor investimento, e numa escala hierárquica, sempre foi o menos importante da grade da Globo. Sim, já vimos produções que marcaram época, como Chocolate com Pimenta e Alma Gêmea, só que mesmo com todo o sucesso que tiveram, não foram capazes de proporcionar o fenômeno que vemos hoje.
Cordel Encantado, tranquilamente, caminha para se tornar uma das melhores novelas da história. Isso está acontecendo. As autoras Duca Rachid e Thelma Guedes precisariam se esforçar muito para reverter esse quadro. A novela está perfeita, e qualquer esforço para mudar com isso poderá ser em vão.
Por mais que seja bom elogiar quem merece, e que tenha se tornado tão comum os críticos se rasgarem em elogios à atual novela das 18h, não é exatamente dela que queremos falar. Também vamos pular Morde & Assopra, porque esta cumpre bem o seu papel (a despeito dos robôs. Odeio robôs em dramaturgia).
O que está acontecendo com as novelas das oito? É isso o que queremos saber.
Muito se fala que o telespectador é avesso ao que foge do comum. Ouvimos isso quando Bang Bang fracassou. Ouvimos isso quando tiveram que desligar aquele computador asqueroso de Tempos Modernos. É o consolo do fiasco: achar-se vítima de uma injustiça, "ninguém entende que eu sou da vanguarda". Em ambos os casos, e olha que só citamos esses dois, duas coisas contribuem decisivamente: a falta de texto e a falta de direção.
O mesmo aconteceu com as tramas de época: a Globo decidiu acabar com elas no horário das seis, depois que as últimas não tiveram boa audiência. Com Cordel Encantado no ar, perguntamos: o problema está no século em que a trama se passa, ou na história que está sendo contada?
Essa crença de que o telespectador não quer ser surpreendido, provavelmente, acaba intimidando muitos autores a quebrarem suas próprias barreiras. Mal sabem eles que não há nada que o telespectador não queira ver. Há, sim, aquilo que não é mostrado de uma forma que cative. Não gosto de robôs, mas quem sabe um dia eu não mude de ideia?
Com isso, os autores têm achado que só queremos ver amor. Que só queremos, parafraseando Tiago Santiago, o "novelão clássico". E quem mais está sofrendo com isso, hoje, são as novelas das oito. Ultimamente, todas têm apostado no tema mais surrado da ficção: o amor.
Insensato Coração, Passione, Caminho das Índias (esta, em inglês, India - A love story). As três últimas produções das 21h. Em todas elas, o próprio título denuncia: "vem aí mais uma história de amor, e tramas paralelas que podem ser qualquer coisa".
A atual Insensato Coração não chega a ser péssima, mas o que aquela novela quer nos dizer? Aonde ela quer chegar? O amor de Pedro e Marina, a vilania do Leo, mas e daí? E depois? E eu com isso?
Não fosse ela.. |
Essas novelas, não por acaso, demoram para emplacar. Quando emplacam, é porque o telespectador já entendeu que o folhetim não vai passar daquilo, e quando faltam opções, não tem tu vai tu mesmo. E são justamente as tramas secundárias que, muitas vezes, acabam salvando essas novelas. Vide a Gloria Pires, o maior sustentáculo de Insensato Coração, e uma das poucas coisas que deixam aquela novela um pouco interessante.
Nem todo autor sabe o que é passar por esse problema. João Emanuel Carneiro, por exemplo, talvez por ter chegado agora, parece saber que não dá pra esperar grande coisa se não oferecer ao público uma história desafiadora, em todos os sentidos. Aguinaldo Silva tentou e se deu bem em Senhora do Destino, foi infeliz em Duas Caras, e vem aí com Pura Estampa - a inspiração desta, porém, veio de vários autores iniciantes no projeto Master Class, liderado por ele.
Mas o amor não precisa, nem pode, deixar de existir nas novelas. Só não precisa ser a novela. Em O Clone, mesmo com o sucesso de Jade e Lucas, o tema que nos chamou atenção não era o romance dos dois, mas todo aquele lance de clonagem, que despertou a atenção do público. Coisas assim nós não vimos em Caminho das Índias, por exemplo, da mesma Gloria Perez.
É um risco, para não dizer burrice, insistir nessa ideia de que o telespectador quer se apaixonar em pleno horário das nove. Queremos entretenimento, queremos uma história que nos faça pensar, que renda um bom papo no dia seguinte. Claro, se vier tudo isso intercalado com tórridas cenas de paixão, não iremos reclamar.
Longe de mim querer dizer que os textos do horário nobre são ruins; se o meu negócio fosse uma bela de uma saga romântica, eu não desligaria a televisão por nada. É que eu não quero ver isso. Já deu.
Caros autores, creio que falo por milhões de pessoas quando digo: poupem-nos de suas maravilhosas histórias de amor.
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3 comentários:
Parabéns! É por isso que sou Blogaritmox até morrer *tiete* :]
Excelente texto cara. Resumiu bem como anda o panorama da atual teledramartugia brasileira. Concordo contigo em todos os pontos que levantou, principalmente no sentido de que os autores estão apostando ativamente no tema "amor", como se nós realmente quiséssemos ver isso em pleno horário nobre. Acho que ninguém quer ver oba-oba depois de um dia intenso de trabalho.
Do pouco que assisti, "Insensato Coração" é a pior dentre delas. Discordo quando diz que não é tão ruim. A trama basicamente é um zero à esquerda. Não apresenta nada e nem consegue ser agradável de assistir, sabe? Sem falar que quase nada ali funciona perfeitamente. A direção que o diga...
Bem, parabéns pelo post!
[]s
João Emanuel Carneiro também não é essa Coca-Cola toda, vamos combinar. "A Favorita" foi boa, alucinante, inovadora e tal, mas tinha tramas paralelas fraquíssimas e muito mal desenvolvidas - ao contrário de "Passione" e a atual "Insensato Coração". Flora e Donatela carregavam a novela nas costas, essa é a verdade.
Realmente, a Globo, com "Insensato Coração", vendeu uma novela e apresentou outra. Os teasers e os cartazes de divulgação da produção davam a entender que se tratava de uma trama extremamente romântica, o tal "novelão clássico". Mas é preciso lembrar que Gilberto Braga não sabe escrever romance, ele mesmo já admitiu isso. E outra: Pedro e Marina são duas peças burocráticas ali, inseridas em primeiro plano apenas por um ditame folhetinesco. E quem foi que disse que Norma é uma personagem coadjuvante? Não é "Gloria Pires" o nome que vem logo após Antonio Fagundes na vinheta de abertura, antes mesmo de Eriberto e Paola?
Acho que muitos criticam "Insensato Coração" (aliás, isso vem acontecendo com todas as novelas das nove nos últimos anos) sem ao menos assisti-la. Não dá pra formular uma crítica sem fundamento, sem conhecimento. Eu, por exemplo, não posso dizer nada sobre "Cordel Encantado" porque nunca vi sequer um capítulo. Não estou dizendo que este seja o seu caso, que fique claro.
Fora isso, concordo com a parte que diz que não importa o ambiente ou a época, mas sim a qualidade da história a ser contada. Muito bom levantar essa questão.
Por fim, a robótica ainda não se encontrou na dramaturgia por falta de tato dos autores. Aliás, por falar em "Morde & Assopra", ô novelinha fraca essa, viu?! =\
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